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Dante Senra

O mito de que o coração não dói e por que você deve dar atenção ao sintoma

Dor no peito é um sintoma que não deve ser ignorado - iStock
Dor no peito é um sintoma que não deve ser ignorado Imagem: iStock

Colunista do UOL

27/04/2019 04h00

"De todos os perigos, o maior é o de subestimarmos os nossos inimigos" Pearl Buck

No dia 16 de agosto de 1977, no banheiro da mansão Graceland, no Tennessee, o coração de Elvis Presley parou de bater. E embora a causa oficial tenha sido arritmia cardíaca, esta é uma condição que só pode ser identificada em pessoas vivas.

O rei do rock possuía um histórico de sofrer de fortes dores no peito, insônia, hipertensão e grande ganho de peso. A necropsia, além de identificar inúmeros medicamentos em seu corpo, mostrava também problemas em suas artérias do coração. Aparentemente todo esse histórico não foi valorizado...

Assim como o rei do rock, é comum que pacientes não relacionem a dor no peito a problemas no coração: eu frequentemente escuto em consultório que o coração não dói.

Este conceito errado deriva de algumas pessoas que são internadas por infarto do miocárdio sem nunca terem referido dor. Podem ter como manifestação um chamado "aperto", "peso", desconforto ou "mal-estar" torácico. Existem também manifestações mais atípicas, como fraqueza geral, náuseas, vômitos, suores intensos, desmaio ou taquicardia (aceleração do coração). Ainda é possível no limite, o infarto ter ocorrido sem nenhum sintoma e ser apenas um achado de exame, mas essa não é claramente a regra.

Este é um dos grandes mitos que erroneamente continua sendo repetido. O coração dói e dizemos que nem toda dor no peito é de origem cardíaca, mas toda dor no peito pode ser e por isso merece atenção.

No Brasil, as doenças do aparelho cardiovascular constituem as principais causas de mortalidade, seguidas por neoplasias, causas externas (violentas) e doenças do aparelho respiratório. A SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia estima que em 2016 ocorreram 362.091 mortes por doença cardiovascular em nosso país. Em 2017, o número aumentou para 383.961.

Somente este ano já foram quase 120 mil óbitos devido a estas causas e esse número continua aumentando. Isto sem contar que o infarto do miocárdio acarreta o mais alto custo financeiro ao SUS (Sistema Único de Saúde), cerca de 30 bilhões de reais anualmente.

E quando o infarto não tem sintomas?

As coronárias são as artérias do coração que quando estão obstruídas total ou parcialmente produzem os infartos, a chamada angina que é a dor no peito e a isquemia (falta de irrigação sanguinea).

Do ponto de vista estatístico, 40% dos pacientes com doenças dessas artérias (obstruções) têm sua primeira manifestação como infarto agudo do coração e 10% a 20% dos casos se apresentam como morte súbita. Sabe-se atualmente que a presença de dor no peito representa apenas o pico de um iceberg, sendo a maior parte das manifestações de isquemia do coração sem sintoma algum, mas nem por isso menos perigosas. Longe vão os tempos em que se dizia "sem dor, sem preocupação", quando nos referíamos à dor como a grande amiga do homem. Talvez dai também, a morte de origem cardiovascular em pessoas sem sintomas prévios reforce o mito de que coração não dói e a interpretação errônea de que a presença da dor não pode ser do coração.

Portanto, esperar por sintomas para o diagnóstico de doenças do coração é um erro grosseiro e isso precisa ser melhor explicado e divulgado para a população.

Considere ainda que 25% dos indivíduos que morreram subitamente fora do hospital eram considerados normais e as necropsias nestes casos revelaram obstrução severa das artérias do coração em quase 90% deles e você terá bom motivo para fazer exames com seu médico.

Ouço com frequência no consultório que morrer subitamente é uma bênção. Talvez aos 95, se a vida já não faz mais sentido para você.
Estudos ainda demonstram uma maior incidência de obstruções importantes dessas artérias sem sintomas (isquemia silenciosa) em hipertensos, diabéticos, idosos e indivíduos que tiveram infartos prévios.

Nos idosos, as manifestações clínicas podem ser diferentes e atípicas, sendo a falta de ar aos esforços mais comum que a dor no peito.
Ressalta-se ainda que a ausência de sintomas não torna o infarto mais benigno, já que tem prognóstico semelhante aos clinicamente reconhecidos.

A morte súbita é definida como uma fatalidade inesperada, que não resulta de traumatismo, em pessoas com ou sem doença preexistente conhecida e que ocorre nas primeiras seis horas após o início do quadro. As causas cardíacas são as mais comuns, como a obstrução das artérias coronárias com ou sem sintomas, arritmias e hipertrofia (espessamento da parede) do coração, comuns quando a pressão arterial é mal controlada, ou em atletas.

Felizmente, porém, não estamos à mercê do acaso. Em muitos episódios de morte súbita frequentemente se identificam sintomas prévios inespecíficos, como mal-estar, desconfortos, dor e palpitações que foram subestimados muitas vezes até pelos médicos.

Desta forma, fica claro que se impõem mesmo nas pessoas sem sintomas, exames rotineiros nos quais seu médico pode identificar doenças das quais você nunca saberia. Dizem que o silêncio é o santuário da prudência, mas, neste caso, prudente mesmo é conhecer o que o coração não consegue dizer.

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