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Condromalácia patelar: lesão da cartilagem do joelho não gera dor; entenda

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Imagem: iStock

Colunista do UOL VivaBem

18/10/2018 04h01Atualizada em 18/10/2018 17h36

Condromalácia patelar é o nome muitas vezes dado à dor que as pessoas sentem na região da frente do joelho. Esse desconforto ao redor ou atrás da patela ocorre durante ou após atividades em que há muito movimento do joelho (corrida, ciclismo), devido à degeneração da cartilagem da patela.

Bolas, mas o que é essa cartilagem? Pois bem, a patela é um pequeno osso que temos à frente do joelho. Quando o dobramos ou esticamos, a patela desliza, respectivamente, para baixo e para cima no fêmur por meio de uma ranhura chamada tróclea. É como se fosse um corredor por onde ela sobe e desce. A superfície desse corredor é recoberta por cartilagem, assim como a superfície da patela que nele desliza.

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É dessa cartilagem que estou falando. Ela pode ficar enfraquecida e sofrer alterações, como fissuras e erosões. A esse processo se dá o nome de condropatia. Um outro nome de condropatia é, justamente, condromalácia. Logo, é possível dizer que condropatia é igual a condromalácia

Por outro lado, muitas vezes a dor sentida ao redor ou atrás da patela também é chamada de condromalácia. Essa mesma dor também recebe o nome de dor patelofemoral. Dessa maneira, dor patelofemoral é igual a condromalácia.

Então, se condropatia é igual a condromalácia, e condromalácia é igual a dor patelofemoral, logo a dor patelofemoral é igual a condropatia, certo? Aí está o grande erro!

Esse raciocínio parece fazer muito sentido. Mas é incorreto. De fato, considerar que dor patelofemoral é sinônimo de condropatia é um erro grosseiro, bastante grosseiro. 

Ele embasa a ideia de que, quando alguém apresenta a dor na frente do joelho (dor patelofemoral), se deve verificar o grau de lesão da cartilagem. Daí é requisitado o exame de imagem (geralmente a ressonância magnética) o qual vai dizer a gravidade da lesão (de 1 a 4, conforme a classificação mais comum).

O que vou mostrar agora é muito simples. Não há relação direta entre a dor patelofemoral e a condropatia ou condromalácia. Esse conjunto de informações que está disseminado entre leigos e muitos profissionais está errado e pode levar a decisões inadequadas.

Há mais de 50 anos se observa que muitas pessoas com condropatia não sentem dor. Antigos estudos envolvendo artroscopia do joelho mostram que muitas pessoas com condropatia não apresentam dor e pessoas sem condropatia têm diagnóstico de dor patelofemoral. Esses estudos são antigos e muitos poderiam criticá-los. Porém, existem pesquisas mais recentes e modernas que confirmam esses achados anteriores. 

Um estudo realizado na Holanda buscou verificar se as fissuras e alterações da cartilagem eram mais frequentes em pessoas com diagnóstico de dor patelofemoral. Ao fazer a comparação com pessoas sem o mesmo diagnóstico (por meio de ressonância magnética), pôde se observar que a frequência é bastante similar. Ou seja, em pessoas que não têm a dor patelofemoral, as fissuras e lesões da cartilagem também são encontradas. E que muitas pessoas com dor patelofemoral não apresentam tais fissuras e lesões.

Um outro estudo, realizado na Finlândia, buscou ver se era possível identificar quem tinha condropatia com base nos sinais clínicos (dor, crepitação, dentre outros). Para isso, fizeram a avaliação clínica em mais de 50 pessoas com diagnóstico de dor patelofemoral, seguida da realização de um exame de ressonância magnética e de artroscopia do joelho. Concluíram que não era possível dizer quem tinha condromalácia (alterações da cartilagem) com base nos sintomas e que estes não apresentavam relação com a importância das alterações da cartilagem

Está vendo como as coisas são bem diferentes do que é dito por aí? Tem mais. A cartilagem não é inervada e, por isso, ela não pode ser a origem da dor. Portanto, se alguém disser que a degeneração da cartilagem é que está causando desconforto, saiba que essa pessoa está muito enganada.

Mas então de onde vem a dor?

Diversas estruturas podem estar gerando a dor, sendo a mais provável o osso que fica abaixo da cartilagem, embora outros tecidos do joelho (com a membrana que envolve a articulação) também possam ser a fonte do desconforto. Além disso, algumas mulheres com dor patelofemoral de longa duração apresentam uma maior sensibilidade à dor.

O conceito atual que a causa está na cartilagem deve ser alterado e é responsabilidade dos profissionais de saúde fazê-lo e passar a dar informações corretas e atualizadas para indivíduos e população.

Quais são os possíveis prejuízos de se continuar atribuindo à cartilagem a presença de dor?

Em primeiro lugar, isso leva à decisão de se realizar um exame de imagem para ver se a cartilagem está, de fato, lesionada. Realizar um exame leva a custos financeiros diretos ao indivíduo, ao plano de saúde ou ao sistema público, além do gasto de tempo em realizá-lo.

Em segundo lugar, muitas vezes se espera o resultado do exame para se iniciar o tratamento. Como nem sempre se realiza o exame de imediato, isso leva a um maior tempo para o início do tratamento. Embora não possamos afirmar que quem comece o tratamento tardiamente esteja sob maior risco de desenvolver dor crônica, o ideal é começar o quanto antes já que essa possibilidade existe.

Em terceiro, pessoas que ouvem que sua cartilagem está com defeito ou degenerando (termos frequentemente usados para descrever a condromalácia ou condropatia) podem assumir comportamentos prejudiciais para sua própria recuperação, como temerem a realização de condutas essenciais do tratamento, tal qual exercícios. Esse receio em relação à atividade física pode levar a um ciclo vicioso de inatividade, descondicionamento, aumento da dor e, novamente, inatividade.

Continuar a acreditar que a cartilagem é a causa da dor patelofemoral é uma forma de gerar mais custos e prejudicar o tratamento. Entender que a dor não tem relação direta com a cartilagem é essencial para que essa condição seja tratada de forma mais simples e efetiva.

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